Conheça uma história de 1903, quando foi registrada a primeira invasão de um sistema de comunicação que prometia enviar mensagens a grandes distâncias de forma segura. A primeira vítima desse hacker pioneiro foi o suposto inventor do rádio, Guglielmo Marconi, que estaria “enganando o público”.
Vamos a história completa:
Em junho de 1903, o físico John Fleming, funcionário de Marconi, estava preparando uma demonstração dos potenciais da comunicação sem fios para uma grande plateia no auditório do Royal Institution, em Londres.
Diante da plateia, Fleming estava ajustando um enorme aparato para demonstrar uma tecnologia revolucionária e maravilhosa: um sistema de comunicação de longa distância sem a necessidade de fios. O objetivo era mostrar pela primeira vez em público que mensagens de código Morse poderiam ser enviadas sem a necessidade de fios a longa distâncias. A cerca de 500km dalí, Marconi estava se preparando para enviar um sinal para Londres de cima do topo de um penhasco na cidade de Cornwall, no litoral da Inglaterra.
Antes de começar a demonstração e diante do público, o aparato que Fleming estava ajustando começou a receber uma mensagem inesperada. No início, era repetida uma única palavra: “Rats” (Ratos). Então, a mensagem evoluiu para um poema jocoso acusando Marconi de “enganar o público”. O público percebeu de imediato que algo não planejado estava acontecendo, e a demonstração de Marconi foi arruinada pelo sinal de origem desconhecida. Quem era o hacker que havia invadido o sistema revolucionário de envio de código Morse? Como aquela mensagem chegou lá? E porque?
Tudo começou em 1887, quando Heinrich Hertz provou a existência das ondas eletromagnéticas previstas matematicamente por James Clerk Maxwell em 1865. Naquele tempo, o método de geração de ondas eletromagnéticas era assim: Descarregar um capacitor em dois eletrodos tão próximos que o ar entre eles se ionizaria gerando uma centelha. Milagrosamente, outra centelha se formaria entre outros dois eletrodos colocados a alguns metros de distância. Ou seja, as ondas eletromagnéticas geradas nos dois primeiros eletrodos induziram uma corrente no segundo par de eletrodos.
Marconi percebeu que rajadas longas e curtas de energia poderiam representar os elementos do código Morse, portando poderiam transportar mensagens utilizando as recém descobertas “ondas hertzianas”. Assim nasceu o telégrafo sem fio. Marconi e sua empresa estavam na vanguarda da tecnologia da época.
Marconi dizia que as mensagens enviadas pelo seu método sem fio eram seguras e privadas.“Eu posso ajustar meus instrumentos de uma maneira que nenhum outro instrumento poderia interceptar a mensagem”, bradava Marconi no jornal londrino St. James Gazette em fevereiro de 1903.
Hoje, qualquer um sabe que as transmissões de rádio podem ser facilmente interceptada por qualquer receptor na mesma frequência, mas isso não era tão óbvio naquela época quando pouco se sabia sobre as ondas de rádio.
Em parte, foi por isso que as coisas não estavam saindo conforme Marconi e Fleming haviam planejado para aquela tarde chuvosa no Royal Institution em Londres. Primeiro, Arthur Blok, assistente de Fleming, com ouvidos bem treinados, percebeu um titilar no meio do zumbido que a geringonça fazia. De ouvido ele pegou as letras R-A-T-S, transmitida algumas vezes. Então, a mensagem mudou e tornou-se mais clara e pessoal:
"There was a young fellow of Italy, who diddled the public quite prettily" (Havia um jovem da Itália, que engava o público de forma esplêndida), uma acintosa modificação de um famoso poema de Shakespeare. A mensagem era claramente dirigida à Marconi e sua invenção maravilhosa que supostamente poderia enviar e receber mensagens de forma segura.
O sinal misterioso desapareceu momentos antes dos sinais de Marconi transmitidos desde Cornwall fossem recebidos diante da plateia. A demonstração continuou, mas o estrago estava feito. No dia seguinte, o jornal “The Times” publicou artigo sobre a demonstração de Marconi dizendo “se alguém conseguiu invadir os sistema sem fio de Marconi daquela maneira, fica claro que o sistema não é nada seguro como Marconi tem dito”.
Marconi ficou furioso, para dizer o mínimo, mas ele não respondeu diretamente às críticas publicadas nos jornais. Pessoas próximas informaram que ele declarou na época “eu não vou mais fazer demonstrações para ninguém que tenha dúvidas sobre o sistema”. Fleming, no entanto, fez o papel de fiel-escudeiro de Marconi. Publicou uma carta fulminante no “The Times” dizendo que “o ocorrido foi um insulto contra a tradicional Royal Institution” e pediu para os leitores ajudá-lo a descobrir quem era o culpado.
Quatro dias depois, uma carta de confissão foi publicada pelo “The Times”. O autor justificava seu ato de mostrar os buracos na segurança do sistema de Marconi pelo bem do interesse público.
O autor da carta era Nevil Maskelyne, um mágico britânico de 39 anos. Ele usava o código Morse para se comunicar com os assistentes de palco durante seus números de “leitura da mente”, sem que a plateia percebesse.
Maskelyne, entretanto, era muito interessado na tecnologia sem fio, e era um autodidata. Ele também usava as ondas hertzianas para gerar ignição de pólvora como se fosse um passe de “mágica”.
Em 1900, Maskelyne enviou mensagem sem fio para um balão a 16km de distância. Mas suas ambições de ganhar dinheiro com as ondas eletromagnéticas foram frustradas pelas patentes muito abrangentes de Marconi.
Além de Maskelyne, a tecnologia inovadora proposta por Marconi afetaria diretamente a indústria ligada ao telégrafo com fio.
As companhias de telégrafo possuíam grandes linhas terrestres e submarinas para envio de mensagens para quase todos os continentes. Além disso, elas mantinham uma frota de navios com equipes especializadas na instalação e manutenção dos seus cabos submarinos.
O telégrafo sem fio de Marconi representava uma grande ameaça a hegemonia da indústria “com fio”, e certamente eles não iriam assistir seu império ruir de braços cruzados.
A Eastern Telegraph Company (ETC) mantinha um centro de comunicação com cabos submarinos que ligavam à Indonésia, Índia, África, América do Sul e Austrália. Ao tomar conhecimento de que, em 12 de Dezembro de 1901, Marconi havia enviado uma mensagem transatlântica entre Estados Unidos e Inglaterra, a ETC contratou Maskelyne para realizar operações de espionagem sobre os planos de Marconi.
Maskelyne construiu um mastro de 50 metros para tentar interceptar sinais que a Marconi Company estava enviando como parte do negócio muito promissor de um sistema de mensagens para navio-navio e navio-costa.
No artigo publicado no jornal “The Electrician”, em 7 de novembro de 1902, Maskelyne revelou a falta de segurança no sistema de Marconi. “Eu recebi mensagens de Marconi com um sistema [antena] de 50 metros instalado no litoral. Uma vez que o mastro foi levantado, o problema não foi interceptar os sinais, mas como lidar com o enorme excesso de energia…”
O sistema não era para ser tão facilmente interceptado. Marconi patenteou a tecnologia capaz de sintonizar um transmissor sem fio para um comprimento de onda específico. Esta sintonia, segundo Marconi, significava que canais confidenciais poderiam ser criados.
Hoje, qualquer sabe que isso não era verdade, mas não era tão óbvio naquela época. Maskelyne mostrou que usando receptor não-sintonizado ele podia escutar as transmissões supostamente seguras de Marconi.
Além de mostrar que intercepção das mensagens era possível, Maskelyne queria chamar a atenção para o fato de que além de insegura, a maior falha desta nova tecnologia era sua susceptibilidade à interferência. Então, ele montou um transmissor simples acoplado a um batedor Morse na casa do seu Pai que ficava próximo do Royal Institution. A mensagem que ele enviou naquela tarde poderia ser facilmente encoberta pelos sinais que Marconi enviou de Cornwall, então ambas mensagens seriam interferidas se fossem transmitidas ao mesmo tempo. Como as mensagens não se sobrepuseram, o dano causado foi apenas no ego de Marconi e Fleming.
Nos dias de hoje, os hackers continuam mostrando que nossas tecnologias hi-tech continuam com brechas de segurança, exatamente como Makelyne mostrou há mais de 100 anos. Mas o rádio continua sendo o meio de comunicação mais simples, popular e democrático já inventado.
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